Maestro Matias destaca experiências vividas no meio musical
Regente da Banda Municipal de Laranjeiras do Sul conversou com o Correio do Povo e falou sobre os desafios e lições aprendidas por meio da música
O maestro João Matias é regente da Banda Municipal de Laranjeiras do Sul há quase 17 anos, desde que foi chamado para trabalhar na cidade em 2005. Em entrevista com o Correio do Povo, Matias discorreu sobre a sua história, desafios e lições aprendidas durante a caminhada no mundo da música e na regência de bandas.
Quem é o Matias?
Matias: é um músico que vive da arte. A minha vida é a arte. Sou casado, tenho uma filha de 16 anos. Venho de uma família muito pobre. Para estudar música eu cheguei a passar fome, dormi na rua.
Sou natural de Goioxim, que na época era distrito de Cantagalo. Sou cantagalense nos documentos. Meus pais tinham uns terrenos agrícolas, que venderam logo que eu nasci e foram morar em Guarapuava. A partir daí eu tive contato com a música de metais. Os instrumentos que estudei, todos são direcionados ao mundo melódico.
Eu sempre vivi da arte. Também vivo em alguns mundos paralelos: o artesanato e a cozinha.
Quando a música entrou em sua vida?
Matias: Minha caminhada começa aos 10 anos, quando comecei a estudar música em Guarapuava. Foi quando nasceu o Matias artista. Antes fui influenciado pela igreja. Mas decidi o que queria para a minha vida a partir dos meus estudos aos 10 anos. Comecei na Banda Jovens de Guarapuava. Depois, fui para vários lugares do Brasil, como Curitiba, Palmas (Tocantins), fiz cursos técnicos em conservatórios. E posteriormente fiz faculdade de música.
Comecei estudando o trompete. Na época a teoria vinha primeiro, eram meses de estudo teórico, para conhecer a linguagem musical escrita na partitura. Depois de saber ler uma partitura é que havia o contato com a prática. Tinha que ter muita persistência. Porque se não tivesse, era natural desistir nos primeiros meses.
Hoje, o sistema didático de ensino musical é um pouco diferente do que era na década de 1990. Antigamente, era natural estudar a teoria, e depois a prática. Hoje, os papéis se inverteram. Até pela necessidade de mercado que existe atualmente, eu acho necessário que seja assim. É uma metodologia, que ao decorrer do tempo, de tanto ensinar e aprender, eu adquiri a ideia de que o aluno tem que se apaixonar pela música primeiro, pela prática, e depois introduzir a teoria.
Depois que eu vim de Tocantins, fui convidado pelo prefeito de Goioxim para iniciar um projeto musical que estava parado por não ter profissionais. Minha intenção era tomar outro caminho, mas como estava na região, resolvi fazer o trabalho. Obtive ótimo resultados, de reconhecimento nacional.
Então fui convidado para trabalhar em Laranjeiras, em setembro de 2005. Fazia alguns anos que a banda municipal estava desativada, o maestro anterior tinha se aposentado, e eu aceitei. Analisei os instrumentos, foi feita uma restauração. E começamos o trabalho.
Meu foco de trabalho hoje é a regência, ou seja, estar à frente de uma banda ou orquestra.
Quais foram os desafios de sua trajetória?
Matias: Foram vários. É um mercado de trabalho. A música é um produto imaterial. Vender um produto palpável é difícil, imagina vendar algo que você não vê, que não toca.
O ensino musical tem um privilégio. Quando você ensina alguém, é natural olhar para o músico e ver se ele está tocando ou não. Diferente de outros tipos de ensino, que é mais cognitivo. A música não é palpável, mas é possível produzir pela execução. Quando 50 alunos estão tocando e chega uma plateia, eles vão ver se esses músicos estão tocando ou não. Então, um dos desafios é o mercado de trabalho.
Além disso, a falta de investimento na arte é baixa em todo o Brasil. Hoje, dá para comprar um material na internet de qualquer lugar do mundo. Há 20 anos, era difícil conseguir um material.
No início, minha família não era muito adepta à minha entrada no mundo da música. A sociedade não vê a arte como um meio de trabalho. Outro desafio foi o ato de aprender. Na época, conservatórios e faculdades de música eram escassos. Hoje, há uma gama de universidades que ofertam o estudo da música.
O que te marcou nessa caminhada?
Matias: Na nossa região, a partir do meu trabalho, muitos municípios criaram bandas. Várias pessoas começaram a trabalhar na área. O maestro de Porto Barreiro começou na banda de Laranjeiras. Os maestros de Nova e Marquinho também. Isso no meio de bandas. Mas várias pessoas que passaram pela banda tocam casamentos, vivem de alguma forma da música.
Para mim, a música no meio de bandas, é uma consequência, no sentido de que o humano importa mais do que a arte, sempre. A arte acontece naturalmente. O contato com o aluno, a amizade e influência em seu modo de ser e agir, vale mais que uma música tocada. Eu tenho contato com os meus professores até hoje. Perceber o crescimento, principalmente cognitivo da pessoa, melhorando com o tempo, vale mais que qualquer coisa, um espetáculo ou um conserto. Claro que é gratificante estar à frente de uma banda em um conserto. Mas é muito mais gratificante sentar e tomar um café com um aluno que foi influenciado por você em alguma coisa.
Quais são suas maiores inspirações na música?
Matias: Eu tenho um mentor, que admiro muito, o Jessé. Ele morreu há mais de 30 anos. Foi um músico e cantor extraordinário, derrubou várias barreiras, principalmente na música americana, um artista que saiu fora da curva.
Além dele, tem vários outros como Chitãozinho & Chororó, Roupa Nova, Trio Sá, Rodrix & Guarabyra, artistas que fizeram a diferença na música brasileira. No meio erudito, Bach, o precursor da música orquestral. Também sou fã de Léonin, que é de antes do Renascimento.
Que lições a vida e a música ensinaram a você?
Matias: Todo dia buscar ser melhor do que fui ontem. Não melhor do que outra pessoa. Isso eu aprendi com as dificuldades da vida. Tenho que ser melhor, por mim mesmo. Não é uma dificuldade, necessidade de um produto ou de um mercado de trabalho que vai parar o que eu gosto de fazer. Todos tem que ter alegria no que fazem. A maior parte de nossa vida, nós passamos trabalhando. Se você não é feliz no seu trabalho, você tem uma vida infeliz. A maior parte de minha vida eu passo mais com o trabalho que com minha família. Independente do trabalho que faça, eu tenho que ter alegria.
Tenho muito orgulho do que me tornei. A persistência por aquilo que te dá alegria é mais importante do que dinheiro ou qualquer outra coisa. Hoje sou bem-sucedido e vivo bem. Mas a luta para chegar onde estou foi muito grande.
Que conselhos você deixa para os amantes da música e para quem deseja trabalhar na área?
Matias: Nunca desista e estude sempre. A música é interminável em termos de estudo. Muita gente me pergunta se eu sei tudo. Não sei nada. O que sei é minúsculo dentro do conhecimento que existe na música. Cada vez que estudo algo, sempre tem muito mais para aprender. A música tem várias vertentes, a área da pesquisa, da execução, da plateia, melodia, harmonia, ritmo, mecanismos totalmente diferentes. Na execução existem centenas de instrumentos que às vezes a gente nunca viu na vida.
Quem quer ser músico precisa mergulhar no estudo com dedicação. É um mundo maravilhoso.
Por Marcelo Padilha