Quando chegar a minha vez
–
A notícia me surpreendeu, pela madrugada. Em acidente de trânsito, perdera a vida física o filho de uma querida amiga.
Imaginei o quanto ela deveria estar com a alma estraçalhada. Embora, como eu, guarde a convicção da vida imperecível, a morte continua a nos assustar, quando se apresenta.
Por vezes, quase nos tira o chão. Parece irreal.
Hoje foi um jovem, no vigor dos anos. No entanto, nos últimos meses, tenho assistido a partida de muitos amigos, voluntários, conhecidos.
Nesses momentos, penso: Ele estará bem? Estava preparado para essa saída do mundo palpável?
De repente, me surge a indagação: E se a morte me visitasse hoje, eu estaria pronto para seguir com ela?
Teria aquela tranquilidade de Francisco de Assis que, enquanto trabalhava em seu jardim, ao ser perguntado o que faria se soubesse que a morte o viria buscar nesse dia, respondeu: Continuaria capinando?
Ele vivia tão bem os seus dias, que trazia a alma em perfeita harmonia. Poderia partir a qualquer momento.
No entanto, eu, ante essa pergunta, de forma rápida fui repassando pela mente: o seguro de vida está quitado. Isso dará aos que ficam o prosseguimento das suas vidas, sem percalços.
O convênio funeral igualmente está em dia. Então, os familiares não passarão por dissabores com preparativos e valores para o sepultamento do meu corpo.
A senha da conta corrente está em mãos de parente querido, débitos a serem saldados, recursos a serem recebidos, uma lista enorme, tudo em mãos hábeis, para as providências.
Pensei: Posso partir, sem susto.
Então, num flash, uma ideia atravessou minha mente.
Lembrei do episódio do Evangelho em que Jesus relata a história do homem que mandou erguer mais celeiros, para guardar todos os seus frutos, pensando, depois, que poderia descansar, comer, beber e folgar.
Mas, conclui o mestre: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma. E o que tens preparado, para quem será?
Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.
Dei-me conta de que estou agindo exatamente como esse homem.
Se a morte me vier buscar, agora, qual a bagagem que poderei levar comigo?
E me questiono: Quais virtudes coloquei no baú da alma, para apresentar perante o tribunal da consciência, na Espiritualidade, na qual adentrarei?
Que boas ações pratiquei para enriquecer o enxoval para a nova vida?
Terei semeado mais amizades, afeições do que inimigos e desafetos?
Fui colocando na mala, para essa viagem final, tudo de que me lembrava.
Descobri que nem preciso de uma mala, bastará uma pequena, muito pequena valise de mão.
Assustei-me. Tantos anos vividos. Tão poucas realizações. Cresci no intelecto, conquistei títulos acadêmicos, venci no mundo em várias facetas.
Somente esqueci de semear bem-aventuranças em minha alma.
Preciso apressar-me. O tempo urge.
Permita Deus que novos dias se multipliquem para que eu possa acrescentar mais alguns bons itens na bagagem espiritual.
Alvorece o dia, a hora se faz de urgência.
Ponho-me a caminho, enquanto as horas avançam…
Será este o meu último dia?