*Gustavo Pagotto é Doutor em Química pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp), co-fundador e Diretor da Nanox
A pandemia de Covid-19 já matou mais de 2 milhões de pessoas em todo
mundo até o momento. Somente no Brasil, passamos de 210 mil mortes,
número que só nos deixa atrás dos Estados Unidos. Para evitar a perda
de mais vidas, a comunidade científica do mundo trabalhou
incansavelmente nos últimos meses e desenvolveu, em tempo recorde,
vacinas que já começaram a ser aplicadas em diversos países.
Contendo substâncias que estimulam nosso sistema imunológico a criar
anticorpos que combatem doenças, ao longo da história, vacinas para
diversos males evitaram incontáveis mortes ao redor do mundo.
Anualmente, estimam-se que cerca de 3 milhões de pessoas são salvas
graças à imunização, ou seja, cinco pessoas a cada minuto. No
entanto, com a pandemia, as teorias conspiratórias de grupos
negacionistas antivacinas – que, nos quase dois séculos desde que a
primeira vacina moderna foi aplicada, nunca confiaram em nenhuma
comprovação científica – voltaram a atacar com força.
Com as redes sociais como fortes aceleradoras na disseminação de
desinformações, esses grupos prejudicam as já frágeis políticas
públicas de combate à pandemia seguindo sua agenda para
descredibilizar avanços científicos. Criam memes com mentiras
disfarçadas de piadas, fazem correntes de Whatsapp colocando a
imunização em dúvida, espalham teses surreais sobre os
‘verdadeiros’ interesses da indústria farmacêutica, encaminham
áudios nos quais supostos especialistas – que nunca se identificam –
fazem depoimentos assustadores e atacam profissionais comprometidos na
defesa da vacinação… Tudo sem nenhum tipo de embasamento científico
e com a certeza de que mais adeptos serão seduzidos para o movimento.
Muitas plataformas de rede social rotulam o conteúdo falso como
enganoso ou contestado – e todas removem postagens que violam os termos
de serviço, mas será que não existe a necessidade de que leis
emergenciais sejam implementadas para eliminar este perigoso conteúdo
online antivacina?
E não são apenas as vacinas que têm sua eficácia questionada por
estes grupos, mas também o uso de máscaras e de outros produtos
desenvolvidos para ajudar a conter a proliferação do vírus (como os
que contêm nanopartículas de prata que comprovadamente inativam a
ação do Sars-cov2).
Mas se há bem pouco tempo o negacionismo científico motivava boas
risadas na mesa do bar, especialmente quando representado pelos
terraplanistas, desde a chegada da Covid-19, este movimento se tornou
alarmante, pois agora vidas estão em jogo e pelas mãos de um agente
ainda mais poderoso. O processo de institucionalização do negacionismo
na figura de líderes políticos vem comprometendo a eficácia das
medidas de combate à pandemia.
Este fenômeno pode ser explicado através da agnotologia, que é o
estudo da propagação intencional da desinformação para fins
políticos e comerciais para dar legitimidade a uma determinada agenda
de poder ou tirar o foco de algo. Ou seja, quando o líder de um país
faz declarações sem embasamento científico a respeito da pandemia e
da vacinação e seus efeitos, sua estratégia política fica evidente
e, naturalmente, parte da população se sente confusa e não sabe como
agir.
No entanto, vidas humanas valem mais do que disputas de poder. A
politização do vírus e da vacina coloca toda a população brasileira
em meio a um cabo de guerra ideológico que vem fazendo mais vítimas a
cada dia. É preciso refutar o negacionismo científico como política
de Estado, combatendo com veemência discursos que criam caos,
desinformação e medo.
Quando é possível observar tão nitidamente quanto agora – com mais de
210 mil vidas perdidas – os resultados catastróficos gerados pela
desinformação e inépcia, também fica evidente o quanto a ciência e
tecnologia são fundamentais.
Confie na ciência, ela salva vidas!