Gerações estão sendo atravessadas por bruscas mudanças sociais com a pandemia da COVID-19 no século XXI. Não apenas no que tange os hábitos higiênicos, mas também em torno de uma revolução tecnológica e mais propriamente, acerca da consciência com o coletivo ao rememorar seus mortos. Estes traumas da memória social perpassam a história da humanidade e criam uma janela histórica para pensarmos a vida em sociedade.
Em menos de dois anos, as medidas e consequências sanitárias, pouco imagináveis pela maioria da população (a não ser em um filme de ficção científica), passaram a fazer parte de nossas rotinas: Isolamento e distanciamento social, fechamento de comércio e fronteiras territoriais, uso de máscara, dedetização dos locais, uso de Equipamento de Segurança Individual (EPI’s), colapso no sistema funerário e de saúde, e afins. Não há muito tempo, em 2009, se registrava o primeiro surto em nível global deste século, a pandemia de H1N1 ou Gripe Suína. Instituições educacionais paralisaram suas atividades e aprendíamos a importância de um frasco de álcool em gel em nossas bolsas para a higiene pessoal. Há mais tempo, nas duas últimas décadas do século XX, convivemos com a transmissão do HIV e consequentemente, a inserção de preservativos na vida sexual. No Brasil, desde o mesmo período, os surtos de Dengue mobilizam uma série de políticas públicas para a fiscalização da água parada em nossas moradias e a garantia de saneamento básico.
Os surtos, epidemias e pandemias tem uma história, uma historicidade. Portanto, surgem em condições específicas que as tornaram possível. Remontam, de forma mais próxima no tempo, os percalços das condições de higiene nos aglomerados urbanos modernos e os efeitos da globalização com a circulação mundial de pessoas, até a vida humana nas aglomerações das diferentes sociedades do mundo antigo ao redor do planeta. Assim, os surtos de gripe perpassaram o século XX, tendo destaque com a pandemia da Gripe Espanhola do início do século, com aproximadamente 50 milhões de mortes. No século anterior, a tuberculose, a febre amarela e a varíola fizeram vítimas e causaram ebulições sociais posteriores, como a Revolta da Vacina de 1904, contra a política de obrigatoriedade da vacina de combate à Varíola. Contudo, a Peste Negra, em fins da chamada Idade Média, resultante de um processo lento de urbanização da Europa, marca o crescimento das vilas medievais no sistema conhecido como feudalismo, nas quais, as condições insalubres de higiene possibilitam a proliferação dos ratos transmissores. Também, marca o início de um processo de busca científica pelas causas e soluções, a fim de conter e evitar tais pandemias.
Estas experiências humanas, em outros tempos e espaços, contribuem para pensarmos sobre a nossa sociedade atual e principalmente, sobre a maneira como nos relacionamos com o meio ambiente e construímos nossas aglomerações. Por sua vez, a história ambiental se manifesta como uma chave de entrada essencial para repensarmos o equilíbrio da vida humana com restante da natureza.