O DANO EXISTENCIAL DO TRABALHADOR

É muito profunda a análise que o professor Alain Supiot destacou em sua obra célebre, que a razão humana não é jamais um dado imediato da consciência, sendo antes um produto de instituições que permitem que cada homem assegure sentido à sua existência, encontrem um lugar na sociedade e lá possam expressar seu próprio talento.

Dentre os institutos de direito do trabalho destinados a viabilizar a plena busca de equilíbrio entre vida e trabalho especial menção deve ser feita aos chamados períodos de descanso, como o repouso semanal e as férias; às diversas formas de interrupção e suspensão do contrato de trabalho, como as licenças para tratamento médico e para formação profissional, e, finalmente às situações que os italianos convencionaram chamar de tempo libero destinato, a saber, as atividades de voluntariado, doação de sangue, e, poderíamos acrescer, a interrupção do contrato de trabalho para prestar exame vestibular.

Esses períodos de descanso, contudo, não são sempre respeitados por aqueles que detêm o poder econômico, causando aos trabalhadores prejuízos biológicos, sociais e econômicos. Há situações de descumprimento pontual, motivado por alguma contingência momentânea, e situações, muito mais graves, de violação contumaz da norma, motivada pela expectativa de ganho com o descumprimento da norma, e facilitada pelo frágil sistema brasileiro de fiscalização governamental das relações de trabalho, que carece de servidores suficientes para fiscalizar todas as empresas existentes nesse país(3).

O descumprimento estratégico das normas trabalhistas por determinadas empresas que se sujeitam às sanções legais por constatarem que a eventual aplicação delas acaba sendo menos onerosa do que o fiel cumprimento do ordenamento jurídico (política conhecida pela expressão “risco calculado”) é facilmente visualizado no exemplo da instituição financeira que exige o labor em sobrejornada e não o remunera corretamente. Se em determinada agência cem trabalhadores estiverem nessa situação e apenas cinquenta ajuizarem a ação, a empresa auferiu um lucro significativo. Ganho aumentado pelo fato de vinte e cinco dos cinquenta que propuseram a ação aceitarem, para outorgar quitação plena dos débitos, cinquenta por cento ou menos do valor que efetivamente lhe é devido. Por fim, quinze dos vinte e cinco trabalhadores recebem menos do que deveriam em razão de seu contrato de trabalho ter se prolongado por mais de cinco anos, deixando, portanto, de receber algumas parcelas alcançadas pela prescrição. De sorte que somente dez dos 100 trabalhadores que se ativaram em regime de sobrejornada efetivamente recebem o que lhes é devido. E ainda assim o empregador em questão lucra com a demora processual vez que durante o trâmite da ação o débito da empresa esteve sujeito a juros de 1% ao mês e o valor contingenciado correspondente a ele estava sendo emprestado no cheque especial ou no cartão de crédito a um percentual superior a 10% ao mês.

O dano existencial no Direito do Trabalho, também chamado de dano à existência do trabalhador, decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade; ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal.

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