Casa velha
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Este escriba é uma pessoa de grande presença nos espaços que frequenta. Na tentativa de atrair menos olhares, vem frequentando academia e fazendo exercícios diariamente. Confesso, exercitar-me não é a minha atividade predileta, porém, tal como enunciado há quase dois mil anos na célebre frase: “mens sana in corpore sano” do poeta romano Décimo Junio Juvenal, o intelecto não sobrevive sem a saúde do corpo e vice-versa.
Além da musculação, tenho dedicado-me nos exercícios aeróbicos, e, exercitar-me na esteira (sem sair do lugar) é muito entediante, inicialmente ouvia músicas, até que tive a ideia de ouvir podcast. Encontrei um podcast da booktuber Isabella Lubrano no Spotify com o título “Casa velha”, um romance perdido de Machado de Assis (1839-1908). Aqui não apresentarei Machado, pois isso seria algo desnecessário em se tratando do maior escritor brasileiro.
A pesquisadora Lucia Miguel Pereira (1901-1959) foi uma biógrafa de Machado de Assis que, ao encontrar alguns exemplares de uma revista feminina que continha trechos de Casa velha, não mediu esforços e, obstinadamente reuniu todos os exemplares para ter acesso à novela completa e publicou-a na íntegra. Ninguém sabe dizer por que Machado não publicou a obra no formato de livro. Naquela época, era comum publicar na forma de folhetins, vários escritores faziam isso enquanto continuavam a escrever a trama, inclusive testando a popularidade e podendo mudar os rumos das personagens para capturar a atenção dos leitores. Talvez não tivesse gostado de sua produção ou, estaria guardando-a para publicar em outro momento, caso tivesse necessidade financeira. Como Machado, não está entre nós, nunca saberemos, podemos (como de praxe) apenas supor. Supor se Capitu traiu Bentinho ou não, etc.
Voltando à esteira, digo, voltando a experiência do podcast para ouvir literatura, senti-me, tal como no início do século XX, não, não sou tão velho, falo das rádionovelas que tanto sucesso fizeram no passado, quando as donas de casa ouviam a novela por meio do rádio, enquanto realizavam as atividades domésticas, eu, por meu turno, concentrava-me em ouvir a narração e não pensar no sofrimento causado pela atividade aeróbica.
O nome do narrador, não saberemos, nunca, Machado não disse na obra (bem machadiano), sabemos apenas que ele era um padre, não muito apegado aos afazeres religiosos, pois, sempre que possível deixava-os ao encargos de seus colegas sacerdotes. O padre, tinha uma quedinha por política, mas, jamais ingressou nessa seara. Tendo lido um livro de um escritor de nome Luiz Gonçalves Santos considerou-o ridículo e, que ele poderia escrever muito melhor. Decidiu que iria escrever um livro sobre a história do Primeiro Reinado do Brasil.
O padre tomou conhecimento por meio do reverendo Mascarenhas, que na residência de D.Antônia, viúva de um ex-Ministro do Império, havia uma grande biblioteca que tinha muito material deixado pelo falecido que poderiam reportar a esse período da história nacional. O padre solicita que o reverendo Mascarenhas interceda junto à viúva em seu favor com vistas a fazer pesquisa na biblioteca do casarão conhecido popularmente como Casa Velha.
Tendo sido aceita sua solicitação, o padre passa a frequentar assiduamente a biblioteca, conhece os familiares de D.Antonia, agregados e escravos. Com ouvidos atentos e mente afiada, passa a descobrir segredos de seus integrantes. Faz-se amigos de todos e de todos tem a admiração, afinal, um homem de batina não precisa se esforçar muito para ser estimado.
Conhece Félix, o filho de D. Antônia, que não sabe o que fazer da vida, ora pensa em ser deputado, ora pensa que é melhor se manter perto da mãe, a qual estima muito, para melhor cuidar dela. Há também Lalau (Cláudia), órfã de mãe e que foi criada por D. Antônia, recebendo uma educação acima do que sua classe social lhe reservaria.
Não demorou para que o padre, que se encantou pela jovem Lalau, percebesse que também Félix era por ela apaixonado. Conversando com os jovens e observando-os, descobriu que Félix era correspondido. Como D. Antônia insistia que o padre viajasse com Félix para a Europa e, por lá ficasse algum tempo. Soube também que D. Antônia estava preocupada em arranjar um casamento para Lalau, propondo que fosse com um jovem livre, porém, pobre.
O padre, encorajou-se e disse que a moça merecia alguém com maior refinamento, pois era muito educada e bela. Disse ainda que Félix e Lalau se amavam e que ela deveria considerar o casamento de ambos. D. Antônia não concordou, disse que teria constrangimento em anunciar o casamento de seu filho com alguém de uma classe social inferior, mesmo que Lalau fosse bela e muito educada. Casamento, disse ela, é a união de famílias e propriedades.
O narrador não se deu por vencido e retornou à conversa em outras oportunidades. Dona Antônia, olhando para o retrato do falecido marido, disse que se o padre soubesse o que ela sabe, lhe daria razão e a apoiaria quanto à necessidade de afastar os jovens.
O padre, então, chegou á conclusão que Lalau era fruto de uma relação extraconjugal do ex-Ministro. E disse o que D. Antônia apenas dera a entender. Isso inclusive explicava um bilhete suspeito que o padre havia encontrado no meio de um livro e não havia revelado a ninguém. Disse que tinham mesmo que afastá-los, não havia outra coisa a se fazer. D. Antônia pede que o Padre convença ambos da impossibilidade de se casarem. Félix aceita o afastamento, não havia outra forma. Passa até mesmo a gostar da ideia de ter uma irmã. Lalau resolve ir embora da casa velha e passa a morar na casa de uma tia pobre onde passa a ajudá-la a fazer trabalhos de costura em busca da sobrevivência. Lalau prefere ter uma vida condizente com a sua classe social.
Enquanto, Lalau tem a possibilidade de se casar com Vitorino, D. Antônia acena com a possibilidade da união entre Félix e a bela Sinhazinha, filha do Coronel Raimundo e neta da baronesa. O padre vai ter com D. Mafalda, a tia de Lalau e ouve desta que Lalau era uma criança quando sua irmã conheceu o ex-Ministro, portanto, não era filha deste, sendo que a criança que era fruto do relacionamento extra-conjugal do casal havia morrido com poucos meses de vida. Ao contar o fato à D. Antônia, esta estupefata, olha para o retrato do marido e descobre que foi traída, afinal, a vida toda considerou ele um marido leal. Havia enganado o padre, para ter dele o apoio na separação dos jovens. Atirou no que viu, acertou no que não viu.
Não sou Machado de Assis, mas não vou contar o resto da história, mas, deixo uma dica, Machado sempre desafiou as obviedades.Fica a sugestão de leitura.
Sugestão de boa leitura:
Título: Casa Velha.
Autor: Machado de Assis.
Editora: Garnier, 1999, 183 p.