Nova Era: a civilização planetária
–
Nos anos 1990, quando cursava a Universidade, tive contato com um pequeno livro azul, uma obra elucidativa sobre o mundo que estava sendo gestado e que veio a ser confirmado com o passar do tempo. O livro “Nova Era: A civilização Planetária” de Leonardo Boff (cujas várias obras mais tarde se tornariam minhas leituras frequentes) discorria sobre os novos tempos que a humanidade estava inaugurando sob a hegemonia do Capitalismo Neoliberal imposto ao mundo pelas lideranças globais (representantes dos países centrais e de poderosos grupos transnacionais) através do processo de mundialização ou globalização pela via do mercado, da política, da estratégia militar, da tecnociência, da comunicação e da espiritualidade.
O autor também discorreu na obra sobre os grandiosos avanços científicos na área da Tecnologia, da Biotecnologia (Genoma Humano), da Informática e da Robótica e sobre a forma como tais avanços científicos estavam mudando o processo de produção industrial com uma produtividade crescente à custa da redução progressiva dos postos de trabalho. O autor não faz oposição na obra à mundialização em si, mas ao caminho percorrido para se chegar a ela, ou seja, a via do mercado concorrencial, cujo egocentrismo das nações mais poderosas não lhes permite enxergar a possibilidade de levar a humanidade para outro patamar, o da dignidade humana para todos independentemente da origem étnica ou de gênero.
Para Boff, outra mundialização seria possível. A mundialização da solidariedade, da compaixão com os pobres e famintos, e, sobretudo de esforços das nações desenvolvidas para assegurar o desenvolvimento para toda a população mundial. Criar uma sociedade planetária que garantisse a todos a dignidade humana para que o básico a ninguém faltasse, ao contrário do que Leonardo já observava nos anos 1990 e hoje temos certeza absoluta, um mundo de exclusão sempre crescente em que apenas 85 pessoas são donas de 1% da riqueza global (uma fatia equivalente à que caberia para uma população de setenta milhões de habitantes caso a divisão da riqueza fosse equânime).
No mundo que temos hoje, a fatia que cabe à parcela que forma os 1% mais ricos da humanidade equivale a 50% de toda a riqueza global e na outra ponta temos cerca de um bilhão de pessoas provando a fome, a miséria, o analfabetismo, etc. como vítimas do egocentrismo humano levada a cabo pelas principais lideranças políticas e empresariais globais, pois, como o autor afirmou na obra “quem não interessa ao mercado, não existe”. Uma parte interessantíssima da obra é quando Leonardo relata a injustiça que o processo de informatização/robotização está fazendo ao aumentar os lucros do patrão e diminuir os postos de trabalho, e, que em seu ver deveria ser uma oportunidade de reduzir a jornada de trabalho em 50% com a manutenção de pelo menos 75% do antigo salário e dos postos de trabalho, ou ainda, a criação de um salário tecnológico (participação nos lucros da empresa com alta utilização de tecnologia no processo produtivo) que seria recolhido pelo Estado e repassado às pessoas que perderam seus postos de trabalho em virtude do avanço tecnológico que dispensou o trabalho humano.
O autor defende ainda “a criação de um salário de sobrevivência humana para todos os bilhões de desamparados da Terra e, que possibilitasse a todos, a dignidade humana como um dever ético exigido aos países ricos outrora colonizadores e que à base da exploração colonial conseguiram obter a acumulação primitiva que lhes possibilitou o salto para a modernidade e a industrialização”. Boff afirma que ao “conceder um salário de sobrevivência aos hoje pobres e colonizados de outrora seria um imperativo de justiça e não de caridade social”, afirma ainda que seriam necessárias algumas reorientações globais da economia mundial, mas, que isso é tecnicamente viável, caso uma visão da dignidade humana para todos fosse se impondo e houvesse vontade política para tal.
A obra apesar das poucas páginas é densa, e, caso fosse aqui esmiuçá-la resultaria numa monografia, pois, Leonardo disse muito com poucas palavras, com sua sensibilidade e intelectualidade ímpar sempre traz mais luz à humanidade que vive na escuridão de um mundo imagético, artificial e cada vez mais desprovido de espiritualidade. Leonardo Boff é no mundo atual, em que o capitalismo global veste novas roupas para continuar a fazer aquilo que sempre o caracterizou (a apropriação de mais-valia da classe proletária e a exploração das riquezas naturais e do mercado de nações do Sul) uma leitura necessária e urgente!