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O escritor estadunidense Blake Crouch (1978) conta apenas 41 anos de idade, porém, já acumulou grande notoriedade por suas obras que misturam mistério, suspense e muita ficção científica. Suas principais obras são “Matéria Escura” em que levou de forma muita agradável aos leitores alguns princípios da Física Quântica (ainda em desenvolvimento) e, “Recursão” que ora resenho e que segue por um caminho diferente, porém, com igual perspectiva, a noção que temos da passagem do tempo e da consciência de nós mesmos. “Matéria Escura” foi uma de minhas melhores leituras em 2019 e, “Recursão” provavelmente estará também no pódium das melhores leituras de 2020. A obra de Crouch certamente não agrada os apreciadores de hard sci-fi, pois, não há em seus livros um mergulho profundo nas teorias científicas, nem, por isso o autor deixa de apresentá-las no decorrer das tramas de seus livros. É importante considerar que parcela dos leitores gosta desse estilo de ficção científica soft, pois desejam ser tragados pela força centrífuga da narrativa e não por uma força centrípeta tecnicista de um thriller hard sci-fi, afinal, são públicos diferentes e, o autor não parece ter como objetivo atender estes últimos.
Na obra “Recursão” há duas linhas temporais distintas, uma no passado (2007) com a neurocientista Helena Smith e, outra com o policial Barry Sutton (2018). As linhas temporais são intercaladas, portanto, o leitor deve estar atento às datas e ao narrador da vez para entender a trama. A linha temporal do passado (2007) traz a narrativa de Helena Smith, que dedicou muitos anos de sua vida pesquisando a doença de Alzheimer, em grande parte estimulada pela doença que acomete sua mãe. Helena pretende melhorar a qualidade de vida da mãe e de pessoas que tal como ela vão perdendo a consciência de si próprias, das pessoas que a cercam e da realidade vivida. A linha temporal de 2018 traz a narrativa de Barry Sutton investigando casos envolvendo uma nova doença que vem acometendo pessoas e que passa a ser conhecida como Síndrome da Falsa Memória (SFM). O leitor certamente já teve algum dejavu, então, na obra seria algo semelhante, porém, as pessoas lembram nitidamente de situações aparentemente vividas por elas, mas, que não correspondem às suas realidades. Lembram de terem filhos (inclusive do convívio com estes) que não têm, de terem se casado com pessoa que não conhecem, ou, que não as reconhecem. Muitos acabam se suicidando por não conseguirem lidar com essas lembranças vívidas, por não saber quem de fato são e qual é realmente a sua vida. Helena Smith trabalha num experimento para guardar memórias das pessoas que iniciam, ou têm grande probabilidade de desenvolver a doença de Alzheimer. Para a manutenção do sigilo das pesquisas, Helena lidera uma equipe de cientistas numa plataforma de petróleo (desativada no meio do Oceano Pacífico e adquirida para manter o sigilo das pesquisas). Um empresário bilionário financia o projeto. Helena quer ajudar sua mãe e outras pessoas acometidas da doença na manutenção da memória vivida, porém, o empresário parece vislumbrar outras possibilidades para o seu projeto.
O leitor, conforme a leitura avança, terá a impressão que o autor lhe entrega peças de um quebra-cabeça com as quais vai montando a compreensão da história. A palavra “recursão” tem como significado o ato de recorrer, reajustar. É nesse sentido que a obra acontece, com vários loopings para tentar consertar situações que fugiram ao controle e, proporcionaram desfechos indesejados. Algo como o filme “Efeito Borboleta”, pois, quando se altera algo da memória passada de uma pessoa, ou da sociedade, sempre haverá consequências. O leitor atento ao ler a obra já a imaginará como um roteiro de filme e, o autor já negociou os direitos para a realização de uma adaptação para a telona e, que certamente atrairá grande público às salas de cinema. Enquanto o filme não vem, fica uma excelente dica de leitura.
Sugestão de boa leitura:
Título: Recursão.
Autor: Blake Crouch.
Editora: Editora Intrínseca, 2097, 320 p.