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O paraibano José Lins do Rego (1901-1957) se popularizou como um romancista da decadência dos senhores de engenhos e tinha como característica escrever com grande agilidade, apesar de dizer a todos que o ato de escrever era difícil. A matéria-prima de suas obras estava nas memórias e reminiscências (vividas e internalizadas pela transmissão oral por seus predecessores) de um sistema econômico de origem patriarcal, com o trabalho semi-escravo do eito, ao lado de outro aspecto importante da vida nordestina, o cangaço e o misticismo. O conjunto de sua obra pode ser classificado em três tópicos: 1. O ciclo da cana-de-açúcar, com Menino do Engenho, Doidinho, Banguê, Usina e Fogo Morto; 2. O ciclo do cangaço, misticismo e seca, com Pedra Bonita e Cangaceiros; 3. Obras independentes com ligações nos dois ciclos: O moleque Ricardo, Pureza e Riacho Doce; e desligadas dos ciclos: Água-mãe e Eurídice. Sua carreira como literato o lançou à “imortalidade” como membro eleito da Academia Brasileira de Letras – ABL. José Lins tentou produzir obras desligadas dos temas que o popularizaram, porém, como assinalou Manuel Bandeira: “era um motor que só funcionava bem queimando bagaço de cana”.
A obra Riacho Doce (1939) é dividida em três partes. A primeira parte tem como personagem principal, Ester, a professora de Eduarda, uma melancólica adolescente sueca que alimentava sonhos de liberdade. Eduarda apelidada carinhosamente de Edna, não gostava do frio da Suécia, seu país natal. Sonhava com uma terra de clima quente e de paisagens verdejantes. A jovem não gostava da submissão a que era submetida por sua família no que concerne à educação e à religião, principalmente por parte de sua avó Elba. Edna também detestava o trabalho no sítio da família no qual vivia. A adolescente pensava que merecia algo melhor do que casar e continuar a viver cuidando de animais numa propriedade rural. Ester abre os olhos e a mente de Eduarda, para a vida e para o mundo. A menina se encanta pela professora, a quem considera a pessoa mais linda que já viu. Ester não é loira e de pele alva como todas as pessoas que Edna conhece e, se parece com uma boneca espanhola que tanto gostaria de ter, mas que pertence a uma de suas colegas de classe. A professora Ester se interessa pela adolescente no sentido de auxiliá-la a passar por tais problemas existenciais, porém, Edna vê em Ester o objeto do maior sentimento que um dia já teve. As pessoas da pequena vila não demoram a perceber que algo “estranho” permeava a relação entre as duas e reage. A professora é demitida e volta para a sua terra de origem. Edna sofre com sua ausência.
Eduarda cresce e se casa com Carlos, um jovem engenheiro do setor de petróleo que, querendo ganhar muito dinheiro e, também dar à esposa a possibilidade de morar em terras tropicais brasileiras, antigo sonho desta, resolve aceitar uma proposta de trabalho em uma perfuração de poço de petróleo em Riacho Doce (na verdade, uma praia de Maceió) no estado de Alagoas. Riacho Doce é o título da segunda parte do livro. Após semanas de travessia marítima, o casal chega à Riacho Doce e é instalado em uma grande e bela casa. Edna conta com funcionárias para os afazeres domésticos, portanto, dorme até tarde e, passeia pela praia, mergulha no mar, enquanto Carlos passa o dia fora de casa trabalhando. A sueca, chamada pelas outras mulheres de forma desdenhosa de “galega”, talvez com um certo sentimento de inveja pelo fato de que a bela loira chama a atenção dos homens do local. Eduarda, no entanto, olha a todos e todas com ar de superioridade e, apesar de adorar Riacho Doce, seu clima, praia e mar, continua insatisfeita com a vida. Edna casou-se com Carlos sem amá-lo, movida unicamente pelo desejo de fugir da vida que levava no sítio de sua família. O casal não vive bem, Carlos ama Edna, porém, esta evita tanto quanto possível ter relações sexuais com ele. Ela sente nojo dele, odeia ser por ele tocada. A jovem esposa sueca passa seus dias contemplando a natureza na praia, nadando e nos momentos em que se encontra em sua casa, ouvindo e tocando instrumentos musicais.
A terceira parte do livro tem por nome “Nô”, trata-se de um jovem nativo, considerado muito belo pelas mulheres, sendo que muitas perderam a cabeça por ele, no entanto, ele se relaciona com elas, sem jamais se apaixonar por nenhuma. Nô é o “sonho de consumo” de mulheres solteiras e também das casadas. O rapaz é neto de “Mãe Aninha”, uma líder espiritual nativa que faz benzimentos, rezas e que atrai até mesmo uma certa antipatia dos sacerdotes religiosos pelo papel que exerce e no qual tem mais influência que estes. Mãe Aninha “fechou” o corpo de Nô contra qualquer mal, seja, disparos de arma de fogo, golpes de faca e, até mesmo, o amor por uma mulher. Nô, segundo sua avó jamais se apaixonaria, mulheres seriam apenas para sua diversão, pois, o neto jamais desviaria do caminho traçado por esta. Nô é também oprimido pelo fanatismo religioso da avó a quem é submisso e crédulo. No entanto, Edna e Nô se conhecem, e apaixonam-se à primeira vista. Tornam-se amantes e numa vila pequena, nada passa despercebido. A “Mãe” Aninha torna a vida de ambos um inferno, mas, sempre potencializando seus ataques com seus poderes místicos (ou não) à jovem mulher sueca. O sentimento que une os dois belos jovens é uma explosão de desejo, portanto, incontrolável e isso ameaça a paz da localidade conduzida à mão firme pela conservadora e religiosa “Mãe” Aninha. Fico aqui para não dar spoiler! Fica a dica!
Sugestão de boa leitura:
Título: Riacho Doce.
Autor: José Lins do Rego
Editora: José Olympio, 2011, 304 p.