Estado faz tudo? Parte I

Nessa cantilena do “Estado faz tudo” está sempre embutida a ideia de que tudo que ele faz destina-se a melhorar a vida dos desafortunados.
Fomos um dos últimos países a abolir a escravidão, temos um dos mais perversos perfis de distribuição de renda do mundo, Mmas a partitura é sempre a mesma. “Venderei até o último brilhante de minha coroa, mas nenhum nordestino morrerá na seca”, dizia Dom Pedro II. A coroa, intacta, está no Museu Imperial de Petrópolis. Os nordestinos da grande seca de 1870 estão no cemitério.

É evidente que só os crápulas não se comovem diante da miséria e da injustiça. Não é preciso, para isso, ler o Manifesto Comunista ou as pungentes descrições de Karl Marx sobre a vida sub humana dos trabalhadores ingleses nas minas de carvão do século 19. Basta dar um passeio, agora mesmo  pelas favelas de nosso país. E até crápulas mais inteligentes, não se comovem, pelo menos, se inquietam com a vizinhança da miséria absoluta, pois não há guarda que os proteja contra uma eventual descida dos morros.

Até por que é mais barato dar emprego aos favelados, e com isso, permitir que eles saiam das favelas, do que pagar uma guarda. É também mais seguro, porque ao longo da história foram mais devastadores os saques promovidos por guardas do que aqueles feitos por miseráveis.

Não é de surpreender, portanto, que alguma das teses da nossa esquerda, sobretudo as que oferecem os caminhos mais curtos para a igualdade social, fascinam padres, artistas e, até certo ponto, cientistas.
Acontece que lágrima não enche barriga de pobre, assim como o vazio da barriga do pobre não estraga férias europeias de intelectual. Isso posto, um crápula inteligente pode ser mais útil aos pobres do que um vigário desarticulado, que muitas vezes oferece o reino dos céus infernizando a vida terrena daqueles que lhe caem no conto.

O bem-intencionada opção preferencial pelos pobres frequentemente degenerada em opção inescapável pelo empobrecimento.