Descubra quem foi Nara Leão, artista que incomodou militares e ajudou a revolucionar a música brasileira

Poucos artistas conseguem ao longo da carreira musical transitar por diferentes movimentos e ainda assim manter a admiração do público. Nara Leão (1942-1989), além ser considerada, desde os primórdios de sua trajetória, com a bossa nova no fim da década de 1950, sinônimo de bom gosto e intelectualidade. A intérprete, que se fosse viva estaria no auge de 77 anos, renunciou seu gênero de origem, considerado condizente com seu cotidiano de moça da zona sul carioca, para cantar a música de protesto, o samba de morro, o nordeste, a jovem guarda e a tropicália.

Sua caminhada musical marca diretamente a história política e cultural do Brasil. Elogiada por valorizar canções e compositores do então passado e, ao mesmo tempo, estar atenta ao que era novidade no cenário musical, Nara foi avessa à fama e à popularidade. E talvez por isso tenha um público seleto, mas fiel. No livro “Nara Leão: trajetória, engajamento e movimentos musicais”, o historiador Daniel Saraiva Lopes discorre sobre o curso da vida pessoal e artística da cantora, relacionando-o com os momentos vividos pelo Brasil no âmbito cultural e político entre os anos 1960 e 1980. Tendo como base a obra literária, o Correio do Povo selecionou sete curiosidades pouco conhecidas do público que cercaram a vida de Nara Leão. Confira:

Foi jornalista

Anos 1950: Nara quando adolescente/Foto: Acervo/Isabel Diegues

A irmã de Nara, Danuza Leão, era casada com o jornalista proprietário do jornal Última Hora, Samuel Wainer. Os laços familiares influenciaram para que a futura intérprete conseguisse um estágio como jornalista no veículo, ainda quando tinha 16 anos. “Lá fazia de tudo: traduzia horóscopos e sua primeira reportagem foi com a Miss Flamengo Denise Rocha de Almeida”, relata o historiador Daniel Lopes Saraiva.

Afrontou o Exército em plena Ditadura

Nara, Guilherme Araújo e Chico Buarque na BBC de Londres, em 1969, durante o exílio/Foto: Acervo/Isabel Diegues

O golpe militar de 1964 influenciou também a música brasileira. Com os ânimos aflorados, a bossa nova, gênero que abordava o amor e as belezas do Rio de Janeiro, perde espaço no cenário nacional para as músicas engajadas.

 Nara Leão seguiu a tendência, abdicando da bossa nova e partindo para a música a música de protesto. Ela participa do espetáculo Opinião, um marco dos movimentos artísticos contrários ao governo. Dois anos depois, ao Diário de Notícias, concedeu uma declaração que enfureceu os militares. O título da matéria trazia “Nara é de Opinião: esse exército não vale nada”. Na entrevista, Leão defendia um civil como presidente, argumentando que os militares entendiam de armas e não de política. Ela ainda afirmou que o Exército deveria ser extinto, pois o dinheiro gasto com ele era excessivo, enquanto o país necessitava de saúde e educação.

A partir de então, Nara Leão passou a ser monitorada pelo governo e considerada uma ameaça para ele. Sua figura era ligada à esquerda, à mulher independente e aos intelectuais brasileiros contrários ao regime.

Cacá Diegues, cineasta e marido de Nara, produzira filmes com crítica ao momento que o Brasil vivia, mas ao que parecia, os militares se incomodavam mais com Nara. Em 1969, após ouvir Chico Buarque contar a eles que ouviu de militares sobre a intenção de torturar a cantora com ferro, optam pelo autoexílio em Paris. Lá, Nara dá à luz sua primeira filha, Isabel. Eles retornam ao Brasil em 1971.                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

A primeira artista do Brasil a gravar um CD

Capa do primeiro CD lançado por um artista do Brasil

Enquanto no Brasil o compact disc (CD) chegaria de vez ao mercado em 1987, dois anos antes, Nara gravou no Japão o LP “Garota de Ipanema”. A obra foi um pedido da Polygram japonesa, que ansiava por um álbum totalmente dedicado à bossa nova. Consequentemente, “Garota de Ipanema” ganharia também uma versão em CD, que chegou ao Brasil em 1986. Nara, então, tornou-se a primeira artista do país a lançar um produto neste formato.

Cursou psicologia

Os filhos de Nara: Francisco e Isabel/Foto: Acervo/Isabel Diegues

Fez diversas pausas em sua carreira. Em uma delas, decidiu estudar psicologia. Em entrevista para a Folha de S. Paulo, ela contou ter participado de um cursinho pré-vestibular durante um ano e ter estudado obsessivamente. A dedicação lhe garantiu a aprovação em terceiro lugar na PUC Guanabara. Em 1980, ela tranca o curso por conta de problemas de saúde.

Escreveu uma única música

A trajetória de Nara está marcada pela busca pela novidade e pelas raízes. Ela foi a responsável por descobrir nomes como Chico Buarque, Maria Bethânia e Fagner. A cantora se consagrara justamente como intérprete – quando o artista canta músicas não compostas por ele.

Nara escreveu uma única canção em sua carreira: “Cli-cle-clô”. A composição teve parceria com Flávio Rangel e ganhou melodia de Fagner, sendo incluída no disco “Romance Popular”, de 1981.  

Conviveu com tumor inoperável por anos sem saber

Nara na década de 1980/Foto: Acervo Isabel Diegues

Em 1979, Nara sofreu uma queda enquanto tomava banho. O acidente fez com que fosse descoberto a existência de um tumor cerebral inoperável. De início, a artista não ficou sabendo da doença e seguiu sua carreira com normalidade. Na metade da década de 1980, a enfermidade passou a ser mais agressiva e Nara chegou a se ausentar de gravações de um disco no Japão por conta do problema.

No fim de 1985, o empresário da intérprete, Miguel Bacelar, contou a ela sobre o tumor. Fez sessões de radioterapia e um tratamento com um famoso curandeiro, que a impedia de comer carne de porco e andar de avião, entre outras coisas. Ela morreu em 7 de junho de 1989, após ficar quase um mês internada no hospital por conta de uma queda que sofreu, o que agravou ainda mais as complicações do tumor.

Presença marcante em novelas

As interpretações de Nara Leão marcaram época nas telenovelas. Desde as décadas de 1970 e 1990, quando ter uma canção incluída em uma trilha era considerado garantia de sucesso, até os últimos folhetins exibidos, foram 17 produções que embalaram cenas. A última foi “Meditação”, vinculada em “Em Família”, trama do horário nobre da Globo, exibida em 2014.

Confira abaixo 17 músicas cantadas por Nara Leão que foram incluídas em novelas:

Donzela – As Divinas…e Maravilhosas (Tupi-1974)
Capricho – O Casarão (Globo-1976)
Mal me quer – Éramos Seis (Tupi-1977)
Diz que fui por aí – Gina (Globo-1978)
João e Maria – Dancing Days (Globo-1978)
Odeon – A Sucessora (Globo-1979)
Andorinha Preta / Sabiá Laranjeira – Cabocla (Globo-1979)
Trevo de quatro folhas – Ciranda de Pedra (Globo-1981)
Questão de tempo – Sol de Verão (Globo-1982)
Quatorze anos – Eu Prometo (Globo-1983)
Este seu olhar – Livre para voar (Globo-1984)
Telefone – Torre de Babel (Globo-1998)
Cutelinho – Esperança (Globo-2002)
Meditação – Mulheres Apaixonadas (Globo-2003)
Até quem sabe – Caminho das Índias (Globo-2009)
Este seu olhar – Amor e Revolução (SBT-2011)
Meditação – Em Família (Globo-2014)

Sugestã de leitura

Livro foi lançado em 2018/Foto: Reprodução